Análise e apreensão de correio eletrónico profissional em investigações: é necessária autorização ju

2025-11-04T12:24:00
Espanha
Conclusões da Advogada Geral Medina: a apreensão de correio eletrónico no âmbito de buscas em processos das autoridades nacionais de concorrência
Análise e apreensão de correio eletrónico profissional em investigações: é necessária autorização ju
4 de novembro de 2025

A advogada-geral («AG») L. Medina apresentou as suas Conclusões nos processos apensos C-258/23 a C-260/23, onde que o Tribunal de Justiça da União Europeia («TJUE») foi chamado a esclarecer se, no contexto de investigações realizadas pelas autoridades nacionais da concorrência («ANCs»), é necessária uma autorização judicial prévia para diligências de busca e apreensão de correio eletrónico.

Elementos-chave das Conclusões

Nas suas Conclusões, a AG Medina conclui que o direito da União — interpretado à luz dos artigos 7.º e 8.º da Carta dos Direitos Fundamentais — não exige, em regra, a existência de uma autorização judicial prévia para que, no decurso de uma inspeção a instalações profissionais, as ANCs busquem e apreendam correspondência eletrónica profissional relacionada com o objeto da investigação, contanto que, ao nível nacional, existam garantias processuais estritas e uma fiscalização judicial ex-post efetiva.

Entre as garantias necessárias, as Conclusões referem-se a uma decisão devidamente fundamentada que ordene a inspeção, baseada em suspeitas razoáveis de infração e suficientemente precisa para circunscrever o alcance material e temporal da investigação; à minimização dos dados apreendidos através de parâmetros de pesquisa estritamente definidos; à necessidade de envolver os representantes das empresas visadas e de lhes permitir apresentar reclamações. Na mesma linha, as Conclusões salientam que deve que deve existir uma tutela jurisdicional efetiva ex post, permitindo, em caso de violação da lei, a invocação das devidas consequências jurídicas perante os tribunais.

Por último, as Conclusões clarificam dois pontos relevantes. Em primeiro lugar, é efetivamente necessária uma autorização judicial prévia para realizar inspeções em domicílios privados; e, em segundo lugar, os Estados-Membros podem optar por estabelecer um mecanismo interno de autorização prévia e atribuí-lo a uma autoridade judicial ou a um organismo independente — incluindo o Ministério Público, se este cumprir os requisitos de independência e imparcialidade delineados pela jurisprudência europeia.

Enquadramento e origem do pedido de decisão prejudicial

A exigência de controlo prévio para a busca e a apreensão de correio eletrónico por parte da Autoridade da Concorrência (AdC) tem sido amplamente debatida em processos relativos a práticas restritivas da concorrência em Portugal.

Neste contexto, o Tribunal Constitucional português declarou inconstitucional a interpretação da lei segundo a qual se permitia a apreensão de correio eletrónico já aberto mediante simples autorização do Ministério Público (Acórdãos n.ºs 91/2023 e 314/2023). Em execução desta decisão, o Tribunal da Relação de Lisboa declarou nulas as apreensões de mensagens de correio eletrónico realizadas sem mandado do Juiz de Instrução Criminal (JIC), ordenando o seu desentranhamento e a destruição das respetivas cópias. Por sua vez, o Supremo Tribunal de Justiça (AFJ n.º 12/2024) afirmou competir ao JIC autorizar ou ordenar a apreensão de correio eletrónico — aberto ou fechado — ao abrigo do regime da Lei do Cibercrime, aplicável também aos processos contraordenacionais de concorrência em questão.Esta orientação jurisprudencial conduziu à suspensão de diversos processos em curso e gerou incerteza quanto à admissibilidade da prova obtida a partir de correio eletrónico apreendido sem autorização prévia do Juiz de Instrução Criminal («JIC»).

A AG esclarece, contudo, que os Estados-Membros podem instituir um mecanismo interno de autorização prévia, confiando-o a uma autoridade judiciária ou a uma entidade independente – incluindo o Ministério Público, desde que este satisfaça os requisitos de independência e imparcialidade definidos pela jurisprudência europeia, o que se verifica no caso do Ministério Público português.

Quanto à, muito debatida, questão da exigência constitucional de autorização pelo JIC, a AG limita-se a assinalar que o direito europeu não veda a possibilidade de um Estado-Membro estabelecer um regime mais garantístico, assente na necessidade de autorização prévia por “uma autoridade judiciária, incluído também o procurador”. Assim, quanto a esta questão, as Conclusões parecem conceber o direito europeu como um patamar mínimo de proteção, e não como um teto limitador.

Deste modo, o ónus de harmonização entre os requisitos mínimos exigidos pelo direito europeu e as garantias adicionais do direito constitucional português recai sobre a jurisdição portuguesa. No contexto da muito discutida questão da autorização prévia pelo Juiz de Instrução Criminal, as conclusões não apontam qualquer incompatibilidade entre este mecanismo e o direito europeu, nem sugerem que tal exigência possa afetar a aplicação efetiva dos artigos 101.º e 102.º do TFUE.

Enquanto se aguarda a decisão definitiva do TJUE, subsiste então em aberto a questão da articulação entre as garantias impostas pelo direito da União e as soluções legislativas e práticas administrativas adotadas em Portugal no domínio da apreensão de correio eletrónico profissional.

 O que se segue: implicações práticas

As Conclusões da AG não vinculam o TJUE, cuja decisão definirá, em última instância, o enquadramento interpretativo desta matéria a nível de toda a União. Não obstante o pedido de decisão prejudicial ter sido apresentado por um tribunal português, o acórdão estabelecerá princípios jurídicos suscetíveis de aplicação em todos os Estados-Membros, no tocante ao equilíbrio entre as exigências inerentes à investigação — designadamente a apreensão de correio eletrónico profissional — e as garantias mínimas previstas no direito da União em matéria de privacidade e proteção de dados.

 

4 de novembro de 2025