Imagens de videovigilância como meio de prova em processo disciplinar

Portugal
Meios de videovigilância poderão ser utilizados como meio de prova em procedimento disciplinar ainda que não exista procedimento criminal?
Imagens de videovigilância como meio de prova em processo disciplinar
2 de janeiro de 2023

Por Acórdão de 28.11.2022, proferido no âmbito do Processo n.º 6337/21.8T8VNG.P1, o Tribunal da Relação do Porto (“Tribunal”) decidiu que o artigo 28.º da Lei da Proteção de Dados Pessoais[1], não exige que exista procedimento criminal para uso das imagens captadas através do sistema de videovigilância, sendo a ideia subjacente: os meios de videovigilância não podem ser utilizados com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador, antes visando a proteção e segurança de pessoas e bens - pelo que poderão ser utilizados como meio de prova, no apuramento de responsabilidade disciplinar, se:

     i.        não estiver em causa o controlo do desempenho do trabalhador e

    ii.        caso os factos possam ter relevância criminal, independentemente de existir procedimento criminal.

A questão suscitada prendia-se com o facto de as imagens gravadas (recolhidas através do sistema CCTV) só poderem, alegadamente, ser utilizadas no âmbito de procedimento disciplinar na medida em que o fossem no âmbito do processo penal (citando o artigo 28.º, n.º 4 da Lei n.º 58/2019). Assim, o facto do empregador não ter apresentado queixa crime, poderia levar à conclusão que as imagens do sistema de videovigilância não poderiam ser consideradas para efeitos do procedimento disciplinar que conduziu ao despedimento da trabalhadora.

Sucede que, o Tribunal entendeu ser admissível a utilização das referidas imagens como meio de prova, pois as mesmas tinham por finalidade, única e exclusiva, a proteção e segurança de pessoas e bens e não o controlo do desempenho dos trabalhadores.

Mais sustentou o Tribunal a esse respeito que, sendo certo que o n.º 4 do artigo 28.º da Lei n.º 58/2019 dispõe que as imagens gravadas e outros dados pessoais registados através da utilização de sistemas de vídeo ou de outros meios tecnológicos de vigilância à distância, nos termos previstos no artigo 20.º do Código do Trabalho, só podem ser utilizados no âmbito do processo penal, o n.º 5 desse mesmo preceito acrescenta que, nos casos previstos no número anterior, as imagens gravadas e outros dados pessoais podem também ser utilizados para efeitos de apuramento de responsabilidade disciplinar, na medida em que o sejam no âmbito do processo penal.

Ora, entendeu o Tribunal que, não só  a jurisprudência mais recente – ainda que anterior referida Lei n.º 58/2019 - já tinha vindo a admitir a videovigilância como meio de prova em procedimento disciplinar, como não parece que o artigo 28.º da Lei n.º 58/2019 exija que exista procedimento criminal, estando em causa o apuramento de responsabilidade disciplinar, bastando para o legislador que estejam em causa factos que pudessem ser averiguados no âmbito do processo penal.

Ou seja, a decisão em causa clarifica uma questão controversa ao reconhecer que:

  • os meios de videovigilância não podem ser utilizados com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador, antes visando a proteção e segurança de pessoas e bens; pelo que
  • os meios de videovigilância poderão ser utilizados como meio de prova, no apuramento de responsabilidade disciplinar, se não estiver em causa o controlo do desempenho do trabalhador e os factos puderem ter relevância criminal, isto independentemente de existir, de facto, procedimento criminal.


Aquilo que está subjacente é a especial qualidade/gravidade dos factos imputados ao trabalhador e não a existência de processo no foro criminal, bastando que estejam em causa factos suscetíveis – ainda que abstractamente - de serem averiguados nesse âmbito.


Sendo assim, discutindo-se a eventual apropriação por parte da trabalhadora de um livro sem pagar o respetivo preço, o Tribunal conclui que não havia dúvidas sobre a possível relevância penal dos factos em apreciação, pelo que admitiu a utilização das imagens em causa como meio de prova no procedimento disciplinar, independentemente de o empregador ter decidido avançar com um procedimento criminal contra a trabalhadora.



[1] Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto, que assegura a execução, na ordem jurídica nacional, do Regulamento (UE)  2016/679, do Parlamento e do Conselho, de 27 de Abril de 2016, relativo à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (“RGPD”)

2 de janeiro de 2023