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SubscreverA forma como o setor da saúde gere os dados pessoais dos utentes continua a ser um dos temas mais complexos e sensíveis em Portugal. Num cenário de forte digitalização e pressão para reforçar a proteção da privacidade, a ausência de prazos claros e uniformes de conservação dos dados de saúde tem gerado insegurança jurídica, custos acrescidos e riscos de incumprimento.
O Despacho n.º 10918/2025, de 16 de setembro (“Despacho”), que cria um grupo de trabalho dedicado a esta matéria, surge assim como uma resposta necessária – ainda que tardia – a uma lacuna legislativa que há muito compromete a gestão responsável dos dados de saúde, tanto no setor público como no privado.
O problema atual: indefinição e riscos
Apesar do esforço regulatório dos últimos anos, a legislação continua a remeter para os responsáveis pelo tratamento a difícil tarefa de definir os períodos adequados de conservação. Na prática, isto traduz-se em três desafios principais:
- Critérios dispersos e incertos – as entidades do setor privado não dispõem de orientações uniformes e, por receio de incumprimento, acabam frequentemente por aplicar soluções demasiado conservadoras.
- Desalinhamento com a realidade digital – muitos prazos são herdados de regimes pensados para o arquivo físico e não respondem às necessidades dos sistemas de informação atuais.
- Riscos de violação do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (“RGPD”) – guardar dados além do necessário contraria o princípio da limitação da conservação (artigo 5.º, n.º 1, alínea e) do RGPD), aumentando a exposição a acessos indevidos e violações de segurança.
Consequentemente, as instituições de saúde – sobretudo privadas - vivem numa situação de incerteza que não favorece nem a proteção dos utentes, nem a eficiência operacional.
O Despacho surge, então, como uma primeira resposta à ausência de critérios uniformes e claros para a conservação de dados de saúde nos sistemas de informação dos cuidados de saúde primários e hospitalares, promovendo a criação de um grupo de trabalho dedicado à definição destes prazos.
O que pretende o grupo de trabalho?
O grupo de trabalho, composto por representantes de várias entidades do setor, terá como missão definir prazos claros e fundamentados de conservação de dados de saúde, armazenados nos sistemas de informação da SPMS - Serviços Partilhados do Ministério da Saúde e utilizados nos cuidados de saúde primários e hospitalares.
Entre os resultados esperados, destacam-se:
- Identificação de prazos de conservação diferenciados para informação clínica, administrativa, genética, entre outras;
- Propostas de procedimentos de apagamento seguro após o decurso do prazo;
- Recomendações para atualização dos sistemas de informação, incluindo medidas técnicas e organizativas adequadas;
- Sugestões de formação para profissionais de saúde e administrativos, reforçando a cultura de proteção de dados.
O Despacho produz efeitos desde 17.09.2025 e o mandato do grupo de trabalho tem duração inicial de 12 meses, prorrogável até 6, e prevê a entrega de relatórios que poderão servir de referência nacional e, eventualmente, de base para consulta pública.
Impacto esperado para o setor da saúde
Se os objetivos forem cumpridos, os efeitos poderão ser muito positivos:
- Maior segurança jurídica para prestadores de cuidados de saúde;
- Redução de riscos legais e reputacionais, através da eliminação de práticas de conservação excessiva;
- Reforço da confiança dos utentes, que verão maior transparência na forma como os seus dados são tratados;
- Eficiência na gestão de sistemas digitais, ao evitar acumulação desnecessária de dados.
Ainda assim, o sucesso dependerá da capacidade de equilibrar a proteção dos direitos dos titulares com as exigências práticas da prestação de cuidados de saúde e com a realidade tecnológica do setor, devendo para isso contar-se com o apoio das instituições de saúde, que já contam com muita experiência nesta matéria.
Conclusão
A criação deste grupo de trabalho representa um passo decisivo para colmatar uma das maiores lacunas da legislação nacional em matéria de proteção de dados de saúde.
As entidades do setor devem, contudo, encarar este momento como uma oportunidade: avaliar desde já as suas políticas internas de conservação de dados e preparar os seus sistemas para a adaptação às futuras orientações.
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