A Comissão Europeia considera que os retalhistas viram restringida a liberdade de fixarem os próprios preços
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A Comissão Europeia (“CE”) aplicou coimas no valor total de 157 milhões de euros a três marcas de moda (Chloé, Gucci, Loewe) — que comercializam produtos de luxo, incluindo vestuário, artigos de couro e diversos acessórios — por restringirem a capacidade dos retalhistas, que operam em plataformas online e/ou fisicamente, de estabelecer os próprios preços de venda ao público “PVPs”, descontos e períodos de saldos. Este caso sublinha, também, a importância de cooperar com a CE ao longo da investigação, fator que permitiu a todas estas empresas reduzir as respetivas coimas, para duas delas, em especial, até metade do montante inicialmente proposto.
O denominador comum: fixação de PVPs, monitorização e pressão comercial
A investigação da CE, iniciada oficiosamente em 2023 com inspeções surpresa nas sedes das três empresas, concluiu que estas restringiram a capacidade dos respetivos retalhistas de fixar livremente os PVPs, tanto nos respetivos canais online como nas lojas físicas, limitando de facto a liberdade dos retalhistas de determinar os PVPs em praticamente toda a gama dos respetivos produtos no Espaço Económico Europeu (“EEE”). De acordo com a CE, tal provocou aumentos de preços e uma redução das opções para os consumidores, em violação do artigo 101.º do TFUE e das Orientações relativas às restrições verticais.
Em particular, de acordo com as informações tornadas públicas, as três casas de moda exigiam aos retalhistas que não se afastassem dos preços recomendados por estas, bem como que limitassem os descontos e os períodos de saldos. Desta forma, as Visadas procuravam garantir que os retalhistas aplicavam os mesmos preços e condições de venda que aplicavam nos próprios canais de venda direta.
Além disso, uma destas casas impôs restrições específicas às vendas online para uma determinada linha de produtos, proibindo os retalhistas de comercializar estes artigos através dos respetivos canais digitais.
Meios de execução e supervisão
Para garantir o cumprimento das suas políticas de preços, de acordo com a informação disponível, as três empresas de luxo estabeleceram um sistema de monitorização contínua dos PVPs praticados pelos retalhistas, permitindo-lhes sinalizar aqueles que se desviavam das diretrizes estabelecidas. Em traços gerais, os retalhistas cumpriram as diretrizes fornecidas pelas marcas de moda, alguns desde o início, e, outros, em resposta às advertências recebidas.
Pese embora as empresas investigadas terem atuado de forma autónoma entre si, os três processos coincidiram temporalmente. A Comissão também teve em conta que numerosos retalhistas afetados comercializam produtos assinados pelas três distintas marcas.
| Empresa | Início da conduta | Fim da conduta |
| Gucci | abril de 2015 | abril de 2023 |
| Chloé | dezembro de 2019 | abril de 2023 |
| Loewe | dezembro de 2015 | abril de 2023 |
Antecedentes: uma prática decisória constante
Não é a primeira vez que a CE se foca na indústria da moda. Em 2018, impôs uma coima de 39,8 milhões de euros a uma outra empresa deste mesmo sector (Guess) por uma infração única e continuada de restrição da liberdade dos respetivos retalhistas de fixar de forma independente os próprios PVPs, reduzindo, assim, a concorrência intramarca entre os retalhistas autorizados na respetiva rede de distribuição seletiva (v. resumo da decisão da CE aqui).
Além disso, dois meses após as inspeções nas sedes das empresas agora sancionadas, o TJUE confirmou, no seu acórdão no processo Super Bock, que o envio de listas de preços mínimos de revenda mensais e margens de distribuição, bem como a fiscalização do seu cumprimento sob pena de retaliação, são elementos que podem levar a concluir que um fornecedor pretende impor aos respetivos retalhistas PVPs e são, por conseguinte, suscetíveis de constituir uma restrição da concorrência (v. parágrafo 52 do acórdão do TJUE de 29 de junho de 2023 no processo C-211/22, Super Bock Bebidas, disponível aqui).
Paralelamente a esta investigação, a CE também investigou um alegado acordo no sector da indústria da moda, suspeitando que várias empresas do sector poderiam ter infringido o artigo 101.º do TFUE e o artigo 53.º do Acordo EEE através de um alegado acordo de coordenação de calendários sazonais e iniciativas de sustentabilidade. No entanto, a CE arquivou o caso em abril de 2024.
Cooperação e montante da coima
A Gucci e a Loewe viram as respetivas coimas reduzidas para metade, já a Chloé, que também cooperou, embora apenas após a colaboração inicial das outras duas empresas, beneficiou uma redução de 15% do montante total da coima. Além disso, desde o anúncio da decisão sancionatória da CE, as empresas aproveitaram a oportunidade para manifestar publicamente a sua rejeição a tais práticas.
Conclusões
Este caso, a par de outros recentes investigados pelas autoridades nacionais da concorrência [por exemplo, entre outros, os processos instaurados contra a Lutec (empresa de iluminação) pela autoridade da concorrência húngara (2025), contra a Empire Brands (distribuidora e retalhista de alimentos para gatos e cães) pela autoridade da concorrência da Polónia (2025) ou contra a Rolex pela autoridade francesa (2023)], evidência a prioridade estratégica atual das autoridades da concorrência em reprimir restrições verticais e as suas diversas manifestações, desde a imposição de preços de revenda a medidas de retaliação pelo incumprimento ou a restrições às vendas online. Tudo isto confirma que nenhum sector está imune aos riscos decorrentes da adoção deste tipo de restrições.
Em suma, este novo caso demonstra que os sistemas de distribuição seletiva, característicos deste sector, não comportam exceções no que refere à liberdade dos retalhistas de definirem as suas próprias políticas comerciais.
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