Proposta Omnibus I e dever de diligência das empresas: estado atual


2025-06-11T09:06:00
União Europeia

A revisão da CS3D ainda está a decorrer através do processo legislativo ordinário.  O que devem as empresas devem fazer entretanto? 

Proposta Omnibus I e dever de diligência das empresas: estado atual
11 de junho de 2025

Sustentabilidade e Devida Diligência Empresarial


Na nona publicação sobre a Diretiva (UE) 2024/1760 relativa ao dever de diligência das empresas (“CS3D”), queremos lançar algumas luzes sobre o processo de revisão da CS3D e também refletir sobre como navegar no contexto de incerteza gerado pela proposta Omnibus I, que abriu um processo de revisão das regras básicas europeias de governação empresarial em matéria de riscos de sustentabilidade.

Poderão aceder às publicações anteriores desta série em:

Publicação |A CS3D em perspetiva

Publicação | Quem será impactado pela Diretiva CS3D?

Publicação | Que bens jurídicos são protegidos pela CS3D?

Publicação | A abordagem do risco

Publicação | O caso Shell e as suas possíveis implicações para o dever de diligência das empresas

Publicação | O dever de eliminar e de reparar

Publicação | O dever de diligência da perspetiva contratual

Publicação | A proposta Omnibus I e o seu impacto na Diretiva CS3D

 Introdução

A 26 de fevereiro, a Comissão Europeia adotou a primeira proposta regulamentar (a “Proposta Omnibus I” ou a “Proposta”) como parte do seu pacote regulamentar de medidas de simplificação incluído no programa de trabalho para o primeiro trimestre de 2025. A Proposta Omnibus I visa simplificar a comunicação de informações e o dever de diligência no âmbito da sustentabilidade das empresas (e também na revisão dos requisitos do mecanismo de ajustamento carbónico fronteiriço). (ver: A Bússola para a Competitividade da UE e as primeiras propostas Omnibus).

Na nossa anterior publicação | A proposta Omnibus I e o seu impacto na Diretiva CS3D refletimos sobre as principais alterações da Diretiva CS3D contidas na Proposta. Nesta publicação vamos analisar o estado do processo legislativo e refletir sobre o que as empresas devem fazer no atual hiato de revisão e suspensão da regulamentação. 

O processo legislativo da Proposta: o que sabemos?

No início de junho de 2025, sabemos que:

  • Suspensão temporária da CS3D: Através da Diretiva Stop-the-Clock (2025/794/UE), publicada em 16 de abril de 2025, o prazo de transposição da CS3D foi adiado por um ano (até julho de 2027), assim como oprazo de implementação (até julho de 2028) para a primeira vaga de empresas afetadas (ver: Aprovação da Diretiva Stop-the-Clock: efeitos nas empresas). O principal objetivo desta suspensão é dar aos Estados-Membros e às empresas mais tempo para se adaptarem às novas normas de conduta e aos requisitos de dever de diligência em matéria de sustentabilidade.

    O prazo para a transposição da Diretiva Stop the Clock - que também adia as obrigações de comunicação de informações sobre a sustentabilidade das empresas previstas na Diretiva CSRD (2022/2464/UE) - é 31 de dezembro deste ano. França, por exemplo, já a transpôs enquanto outros países europeus, que também já transpuseram a Diretiva CSRD dentro do prazo, iniciaram processos internos para o fazer. Portugal ainda não o fez – mas a urgência é menor uma vez que a Diretiva CSRD também ainda não foi transposta. 

  • O processo legislativo ordinário: Ao contrário da Diretiva Stop the Clock, que seguiu os seus trâmites  através do processo de urgência, o resto das propostas regulamentares incluídas na Proposta Omnibus I têm seguido o processo ordinário com um calendário provisório que colocaria o seu debate e votação pelo Parlamento Europeu no outono deste ano. Atualmente, a Proposta está em discussão no Conselho da União Europeia, cuja Presidência emitiu a terceira versão da posição de compromisso resultante dos trabalhos do Coreper (Comité de Representantes Permanentes). 

Estamos igualmente cientes da existência de posições diferentes sobre a Proposta Omnibus I - incluindo no que se refere à regulamentação da norma de dever de diligência das empresas em matéria de direitos humanos e ambiente prevista na CS3D - tanto por parte dos Estados como das instituições europeias (ver, por exemplo, o parecer formal do BCE). Isto aplica-se tanto aos elementos substantivos da Proposta como ao processo legislativo iniciado pela Comissão. A este respeito, vale a pena referir o inquérito aberto pelo Provedor de Justiça Europeu sobre a forma como a Comissão preparou a Proposta Omnibus I, bem como o relatório emitido pelo Centro de Estudos de Política Europeia (CEPS).

Reflexões

O objetivo da Proposta Omnibus I é simplificar as regras de divulgação de informação e de dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade, reduzindo os encargos administrativos, para tornar as empresas mais competitivas. Este objetivo é combinado com a ratio legis da CS3D, que não é outra senão a proteção e o respeito dos direitos humanos.

O contexto global atual e a complexidade deste processo de revisão geram incerteza. Se a simplificação pode favorecer a competitividade das empresas, existe também a perceção de um retrocesso na sua ambição, quando as empresas já tinham começado e, em muitos casos, feito progressos substanciais na sua preparação para o cumprimento do quadro jurídico definido por estas normas, incluindo a CS3D. Esta incerteza é agravada nos países que, a partir de julho de 2024, já se encontravam em situação de incumprimento da obrigação de transposição da CSRD, como é o caso de Portugal.

Neste cenário particular, é legítimo colocar a questão: e agora? Algumas reflexões podem ajudar a responder a esta questão:

  • Os riscos existem independentemente de serem ou não regulados pelo legislador: a existência, nas operações da própria empresa ou da cadeia de valor, de trabalho infantil ou forçado, de riscos de apropriação de terras de comunidades indígenas, ou de impactos graves no ambiente ou nos recursos naturais que geram ou podem gerar efeitos adversos nos direitos das pessoas, são situações de facto que não desaparecem com a suspensão ou revisão da norma que positivou um padrão para a sua gestão.
  • A abordagem do risco inerente à gestão responsável da atividade empresarial é um elemento de fiabilidade da empresa e da gestão da sua atividade. O conhecimento da cadeia de valor desta atividade permite gerir os riscos, tanto os de natureza externa (impactos ou efeitos adversos) como os internos (operacionais e financeiros).
  • A divulgação - obrigatória ou voluntária - de informações sobre sustentabilidade e a adesão - contratual ou voluntária - a códigos e normas de conduta não vinculativos não são juridicamente inócuas. Criam, no mínimo, expectativas legítimas entre as partes interessadas internas (acionistas e trabalhadores) e externas (financiadores, clientes e sociedade civil), às quais será necessário dar uma resposta fiável para evitar riscos de reputação, riscos de branqueamento ecológico e social e, em última análise, desinformação que impeça a tomada de decisões informadas e o funcionamento justo da concorrência no mercado.

À medida que o processo legislativo de revisão da CS3D e das normas de divulgação da sustentabilidade prosseguem, os esforços e investimentos das empresas na construção ou melhoria dos seus sistemas de gestão diligente dos riscos de direitos humanos e impactos ambientais adversos parecem prudentes e responsáveis. E dispõem do quadro de normas internacionais para prosseguir o seu desenvolvimento, já que são a fonte de onde a CS3D foi elaborada. 

Até à próxima publicação.

11 de junho de 2025