Consulta Pública: Configuração do Mercado da Eletricidade

2025-10-31T11:17:00
Portugal
Consulta pública com vista à melhoria da configuração do mercado da eletricidade e ao reforço dos direitos dos consumidores
Consulta Pública: Configuração do Mercado da Eletricidade
31 de outubro de 2025

Está em curso a Consulta Pública sobre o diploma que procede à transposição da Diretiva 2024/1711 (com vista à melhoria da configuração do mercado da eletricidade e ao reforço dos direitos dos consumidores) e que altera o Decreto-Lei n.º 15/2022. O prazo desta consulta terminará a 12 de novembro de 2025.

Enquadramento Geral

Nota Prévia: As referências aos artigos incluídas nos parágrafos infra consideram-se feitas por referência ao Decreto-Lei n.º 15/2022.

O projeto de decreto-lei reforça mecanismos de apoio às renováveis (art. 17.º, n.ºs 2 e 3), clarifica autoconsumo e partilha de energia (arts. 11.º, 84.º, 86.º e 87.º), introduz maior transparência no acesso às redes (arts. 113.º e 115.º) e densifica direitos dos consumidores, com foco nos economicamente vulneráveis (arts. 181.º, 185.º, 186.º e 202.º).

Em paralelo, prevê medidas regulatórias para gestão de crises de preços de eletricidade (novo art. 101.º-A) e maior supervisão do mercado, incluindo novas obrigações de informação e de desenho contratual para comercializadores (art. 136.º; art. 206.º, n.º 2, al. g)).

Alterações com impacto direto em comercializadores

  • O projeto prevê a disponibilização obrigatória de contratos a prazo fixo e a preço fixo, com duração mínima de 1 ano, em que o preço não pode variar durante todo o período contratual, independentemente da evolução do mercado (art. 136.º, n.º 2, al. cc)).

Define-se o conceito de “contrato de fornecimento de eletricidade a prazo fixo e a preço fixo”, permitindo um elemento flexível dentro de um preço fixo (por exemplo, variação ponta/fora de ponta), desde que alterações de fatura não dependam do comercializador (art. 3.º – definição «Contrato de fornecimento de eletricidade a prazo fixo e a preço fixo»).

  • Passa a ser obrigatório enviar à ERSE, com periodicidade a definir, os preços efetivamente praticados a todos os clientes no semestre anterior e informação detalhada sobre contratos a prazo fixo e a preço fixo (art. 136.º, n.º 2, al. x)).

A ERSE deverá ainda elaborar e publicar, por 10 anos, relatório anual de monitorização sobre contratos com preços dinâmicos, a prazo fixo e a preço fixo, incluindo impacto nas faturas e comparação entre tipologias (art. 206.º, n.º 2, al. g)).

  • São introduzidas exigências de gestão de risco e resiliência comercial, a definir por regulamentação da ERSE, incluindo a possibilidade de testes de resiliência e níveis mínimos de aprovisionamento/coberturas de mercado (por exemplo, via PPA ou instrumentos equivalentes) para assegurar condições contratualizadas com clientes (arts. 171.º e 172.º, em especial 172.º, n.º 2, al. g), e n.º 4).
  • Em cenário de crise de preços de eletricidade declarada ao abrigo do artigo 66.º-A da Diretiva (UE) 2019/944, o Governo pode adotar medidas temporárias de proteção a domésticos e PME (novo art. 101.º-A, n.ºs 1 e 2). Se forem fixados preços de venda abaixo do custo, o acesso ao regime deve ser aberto a todos os comercializadores em igualdade de condições e com compensação transparente e não discriminatória, baseada em custos de aprovisionamento que melhor reflitam a prática de mercado (art. 101.º-A, n.º 3, als. d) e e)). Os comercializadores que optem por aderir devem praticar os mesmos preços por tipologia de fornecimento, vedados comportamentos distorcivos da concorrência (art. 101.º-A, n.º 3, al. f)).
  • Reforçam-se deveres de informação ao cliente e regras de continuidade de serviço (art. 180.º). Destaca-se: suspensão do fornecimento exige aviso prévio mínimo de 20 dias; possibilidade de redução temporária de potência antes da suspensão; e regulamentação pela ERSE destes procedimentos (art. 181.º, n.ºs 9 a 11); suspensão de ordens de interrupção durante a apreciação de reclamações de faturação, incluindo quando houver intervenção da ERSE (art. 185.º, n.ºs 5 e 6). Para beneficiários de tarifa social: prorrogação do prazo prévio para 120 dias, obrigação de plano de pagamentos adequado e limitação de interrupções em períodos críticos de consumo (art. 186.º, n.ºs 3 a 6).
  • Prevê-se a celebração de acordos de partilha de energia associados a uma mesma instalação (art. 180.º, n.º2, al. C)). Neste sentido prevê-se ainda que (i) Todos os contratos de fornecimento estabelecidos no ponto de ligação único da instalação têm obrigatoriamente o mesmo titular, sendo que a interrupção, por facto imputável ao cliente, de qualquer um dos pontos de contagem internos à instalação implica a interrupção da instalação na sua globalidade; (ii) A instalação deve dispor de um contador associado ao ponto de ligação com a RESP, com capacidade para medir o consumo ou injeção físicos globais da instalação; (iii) Cada contrato de fornecimento ou acordo de partilha de energia adicional tem por base um ponto de contagem único e dedicado, que deverá medir de forma individualizada o respetivo consumo ou injeção.

 Alterações com impacto indireto e contexto de mercado

  • Clarificam-se e ampliam-se definições e regimes de autoconsumo e partilha de energia, incluindo regras para autoconsumidores, comunidades e entidades gestoras de autoconsumo coletivo, com tetos de capacidade e condições para participação de clientes de maior dimensão (arts. 11.º, 84.º, 86.º e 87.º; v.g., 86.º, n.ºs 6 a 8, e 87.º, n.ºs 12 e 13).

Passa a referir-se que a EGAC ou outro terceiro pode deter ou gerir uma instalação de armazenamento ou de produção de energia renovável de capacidade até 6 MW sem ser considerado um autoconsumidor, exceto se for um dos autoconsumidores a participar no projeto de partilha de energia (art. 86.º, n.º 7).

De referir que a definição de autoconsumidor refere que «Autoconsumidor» é “um consumidor final que produz energia renovável para consumo próprio, nas suas instalações situadas no território nacional, e que pode armazenar, participar em regimes de flexibilidade ou de eficiência energética ou vender eletricidade com origem renovável de produção própria ou partilhada com outras instalações, desde que, para os autoconsumidores de energia renovável não domésticos, essas atividades não constituam a sua principal atividade comercial ou profissional (…)”.

Ainda a respeito da situação descrita supra, clarifica-se que, caso os clientes finais que pretendam participar em acordos de partilha de energia sejam de dimensão superior à das pequenas e médias empresas, devem ser respeitadas as seguintes condições: a) A capacidade instalada de produção associada ao acordo de partilha de energia deve ser, no máximo, de 6 MW; b) A partilha de energia deve ter lugar numa área geográfica local ou limitada, em conformidade com os critérios de proximidade previstos no artigo 83.º    (art. 86.º, n.º 12)

É também referido que aos contratos de prestação de serviços de energia celebrados entre a EGAC e os autoconsumidores é aplicável a regulamentação da ERSE (art. 86.º, n.º 3).

Sobre este ponto, não se clarifica se estas limitações se aplicam igualmente a modelos de autoconsumo coletivo ou a consumidores considerados clientes eletrointensivos, onde se encontra prevista uma isenção quanto ao critério da proximidade da instalação de produção.

  • Introduz-se a figura de “capacidade com restrições”, com possibilidade de acesso à rede sob restrições e regras para conversão futura em acesso firme; em zonas onde o desenvolvimento de rede não seja a solução mais eficiente, os acordos com restrições podem tornar-se solução permanente (inclusive para armazenamento) (art. 3.º – definição «Capacidade com restrições»; art. 181.º, n.ºs 2, al. a), 7 e 8).
  • Operadores de rede passam a divulgar capacidade disponível para novas ligações (incluindo capacidade com restrições) e o estado dos pedidos, com atualização mínima trimestral; utilizadores podem solicitar ligação e submeter documentação exclusivamente por via digital (art. 113.º, n.ºs 1, al. c), 2 a 4). Pequenos operadores de BT com menos de 100 mil clientes ficam dispensados de parte das obrigações de informação (art. 115.º, n.º 5).
  • Ferramentas de comparação de preços ficam sujeitas a requisitos de independência, transparência, acessibilidade e atualização, bem como à supervisão e regime sancionatório setorial (art. 184.º, n.ºs 6 e 7). A ADENE disponibilizará modelos voluntários de contratos para acordos de partilha de energia (art. 90.º, n.º 2, al. d)).
  • No apoio às renováveis, abre-se a possibilidade de contratos por diferenças bidirecionais para determinadas fontes, leilões com prémios fixos/variáveis e regra de prémio nulo quando o preço diário de mercado for negativo (art. 17.º, n.ºs 2 e 3). Define-se que contratos a preço fixo/termo fixo, contador convencional e interoperabilidade passam a integrar o glossário legal (art. 3.º – novas definições).

 O que isto pode significar para comercializadores

  • O portefólio comercial terá de incluir ofertas fixas de duração mínima de 1 ano, com atenção à coerência entre o risco de mercado e as condições contratuais. A maior transparência regulatória exigirá reforço de sistemas de reporte de preços e condições contratuais à ERSE, bem como adaptação dos processos de atendimento, faturação, cobrança e gestão de incumprimento, face aos novos prazos e salvaguardas.
  • A eventual imposição de medidas de crise, incluindo preços abaixo do custo com compensação, requer preparação operacional e contratual para adesão ou não ao regime, assegurando neutralidade concorrencial e consistência de preços por tipologia, bem como capacidade para evidenciar custos de aprovisionamento.
  • As obrigações de gestão de risco poderão exigir políticas internas formais de hedging, testes de resiliência e aprovisionamento mínimo, com impacto em tesouraria, risco de base e estrutura de contratos grossistas (incluindo PPAs).
  • A intensificação do autoconsumo e da partilha de energia, com critérios de proximidade e múltiplos pontos de contagem por instalação (arts. 181.º, n.º 2, al. c), e n.º 6, als. a) a e)), cria oportunidades de novas soluções de fornecimento e serviços, mas também desafios de medição, faturação e coordenação com operadores de rede e EGAC.

 

31 de outubro de 2025