Dever de abstenção de contacto com trabalhador durante as férias

2025-07-18T17:07:00
Portugal
Os empregadores devem estar conscientes do dever de não contactar os trabalhadores durante os seus períodos de descanso
Dever de abstenção de contacto com trabalhador durante as férias
18 de julho de 2025

Dever de Abstenção de Contacto: o que os empregadores precisam de saber

A expansão do trabalho assente em meios digitais vulgarizou a ideia da permanente conexão ou disponibilidade, diminuindo as fronteiras entre tempo de trabalho e tempo de descanso. Consciente desse risco, o legislador português introduziu em 2021 o artigo 199.º-A do Código do Trabalho, consagrando o dever de abstenção de contacto. Para os empregadores, esta norma não constitui apenas um lembrete da necessidade de proteger o tempo livre dos trabalhadores, representa uma obrigação jurídica concreta, cujo incumprimento é sancionável.

Em que consiste este dever de abstenção de contacto?

O empregador deve abster-se de contactar o trabalhador durante todos os períodos legalmente qualificados como descanso — férias, feriados, folgas, intervalos de repouso e, naturalmente, o período diário de descanso após o termo do horário normal.

Ao contrário de uma simples faculdade conferida ao trabalhador (o chamado “direito a desligar”), a lei impõe ao empregador que este não crie, nem facilite, quaisquer solicitações de trabalho fora do tempo de trabalho ou legalmente permitido.

Quando é que o contacto é legítimo?

Há apenas uma exceção expressa a este dever: situações de força maior. A lei não define o conceito, mas trata-se de acontecimentos imprevisíveis ou inevitáveis, exteriores à vontade do empregador, cujo impacto exija uma atuação imediata e incontornável.

Em termos práticos, contactar um trabalhador fora de horas só se justifica quando:

  1. a omissão do contacto provoque ou agrave um dano sério e iminente (p. ex., riscos para a vida ou integridade de pessoas, ameaça à continuidade crítica do negócio);
  2. não existam outros meios viáveis de resolver a situação; e
  3. o contacto se limite ao estritamente necessário para enfrentar a emergência.

Problemas de agenda, atrasos ou meras exigências de cliente dificilmente se enquadram no conceito, sendo o ónus de demonstrar a força maior do empregador.

Assim, considerando, de forma específica, o período das férias grandes que se aproxima, cabe ao empregador evitar, nomeadamente:

  • Enviar emails, mensagens de texto, mensagens de voz ou por qualquer meio ao trabalhador – incluem-se, aqui, grupos de WhatsApp de equipa e as aplicações da empresa;
  • Enviar pedidos de esclarecimento e de informação, bem como solicitação de tarefas, ainda que breves, sobre atividades em curso que envolvam o trabalhador;
  • Solicitar tarefas no período de férias, ainda que a sua elaboração seja apenas exigida para quando regresse ao trabalho;
  • Contactar, diretamente ou através de outros trabalhadores, sistematicamente o trabalhador até que o mesmo responda;
  • Solicitar o regresso antecipado do trabalhador ao trabalho durante as férias, salvo nas situações de força maior, devidamente justificadas e compensadas nos termos da lei;
  • Pedir e/ou exigir que o trabalhador, no período de férias, se encontre disponível e/ou atento aos meios de comunicação da empresa;
  • Dar instruções ao trabalhador de como utilizar os instrumentos de trabalho no período de férias;
  • Outras ações que, direta ou indiretamente, não permitam que o trabalhador se mantenha offline.

Quais as consequências do incumprimento?

O incumprimento do dever de abstenção de contacto constitui contraordenação grave. Se a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) confirmar a infração, poderá aplicar coimas cujo montante varia consoante o volume de negócios da sociedade e o grau de culpa, para além de eventuais sanções acessórias. Acresce que a reincidência e a existência de vários trabalhadores na mesma situação poderão agravar a moldura aplicável. Para além das repercussões financeiras, os empregadores devem ainda ter em conta as reputacionais, que aconselham prudência e um escrupuloso respeito pela norma.

Algumas recomendações e boas práticas

  • Criar políticas internas de desconexão que indiquem, de forma clara e acessível, os períodos em que o contacto é vedado, definam os responsáveis pelo seu acompanhamento e prevejam um procedimento específico para situações de força maior;
  • Estabelecer um “plano de continuidade” que identifique previamente quem substitui cada trabalhador durante ausências previstas, assegurando que qualquer necessidade operacional seja dirigida ao substituto, e não ao trabalhador de férias;
  • Criar ferramentas para excluir automaticamente mensagens de e-mail recebidas durante as férias;
  • Criar disclaimers nas ferramentas tecnológicas de trabalho que informem o tempo em que o trabalhador se encontrará ausente, bem como indicar que o trabalhador só deverá ser contactado quando retornar ao trabalho;
  • Sensibilizar, tanto os trabalhadores, como as chefias, quanto ao tema da necessidade de desconexão, através, por exemplo, de formações sobre o tema e aconselhamento com “dicas” de como “desligar”.

Conclusão

Agora que se aproximam as “férias grandes” para a maioria dos trabalhadores, é importante recordar que o dever de abstenção de contacto não é apenas uma exigência legal: é também um imperativo de gestão responsável que protege a saúde, a motivação e a produtividade das pessoas que integram a empresa.

Ao implementar, de forma rigorosa, boas práticas neste domínio, o empregador assegura o cumprimento da norma legal, mas, sobretudo, consolida uma cultura de respeito pelo tempo livre dos trabalhadores, condição indispensável a um ambiente laboral sustentável e competitivo.

18 de julho de 2025