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SubscreverDever de Abstenção de Contacto: o que os empregadores precisam de saber
A expansão do trabalho assente em meios digitais vulgarizou a ideia da permanente conexão ou disponibilidade, diminuindo as fronteiras entre tempo de trabalho e tempo de descanso. Consciente desse risco, o legislador português introduziu em 2021 o artigo 199.º-A do Código do Trabalho, consagrando o dever de abstenção de contacto. Para os empregadores, esta norma não constitui apenas um lembrete da necessidade de proteger o tempo livre dos trabalhadores, representa uma obrigação jurídica concreta, cujo incumprimento é sancionável.
Em que consiste este dever de abstenção de contacto?
O empregador deve abster-se de contactar o trabalhador durante todos os períodos legalmente qualificados como descanso — férias, feriados, folgas, intervalos de repouso e, naturalmente, o período diário de descanso após o termo do horário normal.
Ao contrário de uma simples faculdade conferida ao trabalhador (o chamado “direito a desligar”), a lei impõe ao empregador que este não crie, nem facilite, quaisquer solicitações de trabalho fora do tempo de trabalho ou legalmente permitido.
Quando é que o contacto é legítimo?
Há apenas uma exceção expressa a este dever: situações de força maior. A lei não define o conceito, mas trata-se de acontecimentos imprevisíveis ou inevitáveis, exteriores à vontade do empregador, cujo impacto exija uma atuação imediata e incontornável.
Em termos práticos, contactar um trabalhador fora de horas só se justifica quando:
- a omissão do contacto provoque ou agrave um dano sério e iminente (p. ex., riscos para a vida ou integridade de pessoas, ameaça à continuidade crítica do negócio);
- não existam outros meios viáveis de resolver a situação; e
- o contacto se limite ao estritamente necessário para enfrentar a emergência.
Problemas de agenda, atrasos ou meras exigências de cliente dificilmente se enquadram no conceito, sendo o ónus de demonstrar a força maior do empregador.
Assim, considerando, de forma específica, o período das férias grandes que se aproxima, cabe ao empregador evitar, nomeadamente:
- Enviar emails, mensagens de texto, mensagens de voz ou por qualquer meio ao trabalhador – incluem-se, aqui, grupos de WhatsApp de equipa e as aplicações da empresa;
- Enviar pedidos de esclarecimento e de informação, bem como solicitação de tarefas, ainda que breves, sobre atividades em curso que envolvam o trabalhador;
- Solicitar tarefas no período de férias, ainda que a sua elaboração seja apenas exigida para quando regresse ao trabalho;
- Contactar, diretamente ou através de outros trabalhadores, sistematicamente o trabalhador até que o mesmo responda;
- Solicitar o regresso antecipado do trabalhador ao trabalho durante as férias, salvo nas situações de força maior, devidamente justificadas e compensadas nos termos da lei;
- Pedir e/ou exigir que o trabalhador, no período de férias, se encontre disponível e/ou atento aos meios de comunicação da empresa;
- Dar instruções ao trabalhador de como utilizar os instrumentos de trabalho no período de férias;
- Outras ações que, direta ou indiretamente, não permitam que o trabalhador se mantenha offline.
Quais as consequências do incumprimento?
O incumprimento do dever de abstenção de contacto constitui contraordenação grave. Se a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) confirmar a infração, poderá aplicar coimas cujo montante varia consoante o volume de negócios da sociedade e o grau de culpa, para além de eventuais sanções acessórias. Acresce que a reincidência e a existência de vários trabalhadores na mesma situação poderão agravar a moldura aplicável. Para além das repercussões financeiras, os empregadores devem ainda ter em conta as reputacionais, que aconselham prudência e um escrupuloso respeito pela norma.
Algumas recomendações e boas práticas
- Criar políticas internas de desconexão que indiquem, de forma clara e acessível, os períodos em que o contacto é vedado, definam os responsáveis pelo seu acompanhamento e prevejam um procedimento específico para situações de força maior;
- Estabelecer um “plano de continuidade” que identifique previamente quem substitui cada trabalhador durante ausências previstas, assegurando que qualquer necessidade operacional seja dirigida ao substituto, e não ao trabalhador de férias;
- Criar ferramentas para excluir automaticamente mensagens de e-mail recebidas durante as férias;
- Criar disclaimers nas ferramentas tecnológicas de trabalho que informem o tempo em que o trabalhador se encontrará ausente, bem como indicar que o trabalhador só deverá ser contactado quando retornar ao trabalho;
- Sensibilizar, tanto os trabalhadores, como as chefias, quanto ao tema da necessidade de desconexão, através, por exemplo, de formações sobre o tema e aconselhamento com “dicas” de como “desligar”.
Conclusão
Agora que se aproximam as “férias grandes” para a maioria dos trabalhadores, é importante recordar que o dever de abstenção de contacto não é apenas uma exigência legal: é também um imperativo de gestão responsável que protege a saúde, a motivação e a produtividade das pessoas que integram a empresa.
Ao implementar, de forma rigorosa, boas práticas neste domínio, o empregador assegura o cumprimento da norma legal, mas, sobretudo, consolida uma cultura de respeito pelo tempo livre dos trabalhadores, condição indispensável a um ambiente laboral sustentável e competitivo.
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