Trabalhador, gerente ou trabalhador-gerente?

2023-03-09T16:58:00
Portugal

Admissibilidade da figura do trabalhador-gerente nas sociedades por quotas

Trabalhador, gerente ou trabalhador-gerente?
9 de março de 2023

Um dos temas tradicionalmente polémicos no direito laboral é a admissibilidade da figura do trabalhador-gerente, no âmbito das sociedades por quotas, onde não existe uma proibição legal expressa.

Por acórdão de 22/09/2022 (Proc. n.º 2859/20.6T8BCL.G1), o Tribunal da Relação de Guimarães, admitiu que é possível assumir, de forma simultânea, a qualidade de trabalhador e de gerente.

Neste caso, uma sociedade dedicada à produção e comercialização de confecções e malhas destitui a sua gerente, sendo que a mesma veio alegar ter sido alvo de um despedimento ilícito.

De acordo com a gerente, a mesma exerceria as funções como uma normal trabalhadora, auferindo uma retribuição mensal, cumprindo um determinado horário de trabalho e estando sujeita aos poderes de direção e autoridade, devendo, assim, ser-lhe reconhecida a existência de um vínculo laboral com a empresa.

O tema do trabalhador-gerente já foi bastante analisado pela nossa jurisprudência – por exemplo, pelos acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 06/04/2017 (Proc. n.º 127/15.4T8STR-B.E1), do Tribunal da Relação do Porto, de 21/01/2019 (Proc. n.º 12602/16.9T8PRT.P1), e do Tribunal da Relação de Guimarães, de 13/02/2014 (Proc. n.º 2690/12.2TBGMR-B.G1), concluindo todos pela admissibilidade desta figura.

No entanto, continua a existir jurisprudência que defende a inadmissibilidade desta figura. A título de exemplo, por acórdão de 24/05/2005 (Proc. n.º 0414989), o Tribunal da Relação do Porto equiparou o regime das sociedades por quotas ao das sociedades anónimas, aplicando por analogia às sociedades por quotas o artigo 398.º do Código das Sociedades Comerciais, preceito que consagra o impedimento do exercício simultâneo das funções de administrador e trabalhador.

E no acórdão que agora analisamos? Qual foi a decisão do Tribunal? Dos factos provados não resultou que a gerente tivesse um vínculo de subordinação jurídica com a empresa.

Em primeiro lugar, apesar de a gerente auferir uma remuneração mensal, tal não foi decisivo para se concluir pela existência de um contrato de trabalho. De facto, em certos casos – como neste - a remuneração pode ser paga pelo exercício de funções de gerência e não como contrapartida pelo trabalho prestado.

Em segundo lugar, não obstante a gerente cumprir um horário, ficou assente que o mesmo havia sido por si estabelecido, e não pela sua alegada empregadora.

Em terceiro lugar, quanto à suposta equiparação das tarefas desempenhadas pela gerente com as exercidas por outros trabalhadores, o Tribunal da Relação acabou por afirmar ser completamente irrelevante que a gerente exercesse funções de responsável pela linha de produção. Na verdade, ao longo do tempo foi sendo criado um certo hábito e prática de os sócios/gerentes em pequenas empresas (como esta) exercerem funções idênticas às dos trabalhadores, não podendo daí inferir-se um vínculo de subordinação jurídica e, consequentemente, a existência de um contrato de trabalho.

Deste modo, não tendo resultado da factualidade provada que vigorou entre as partes um contrato de trabalho, decidiu o Tribunal da Relação que não estaríamos perante um trabalhador-gerente, mas somente na presença de uma relação de gerência, não havendo, assim, qualquer despedimento ilícito, mas somente a destituição (lícita) do gerente.

Em conclusão, embora a jurisprudência nacional entenda, maioritariamente, ser admissível a figura do trabalhador-gerente, é sempre necessário verificar, em cada caso concreto, se estamos ou não perante um verdadeiro contrato de trabalho – em particular, através da existência dos indícios típicos da relação laboral -, de modo a concluir se a cessação da relação deve apenas respeitar as regras societárias ou também as (bem mais apertadas) regras laborais. 

9 de março de 2023