O Impacto da Diretiva “Wastewater” nos Medicamentos e Cosméticos

2025-05-14T18:39:00
União Europeia

Nova Diretiva “Wastewater” visa em especial a eliminação de micropoluentes, provenientes de medicamentos e cosméticos

O Impacto da Diretiva “Wastewater” nos Medicamentos e Cosméticos
14 de maio de 2025

O tratamento de micropoluentes como prioridade na nova Diretiva “Wastewater”

Entrou em vigor em 01/01/2025 a nova Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao tratamento de águas residuais urbanas, conhecida como Diretiva “Wastewater”.

A Diretiva deve ser transposta para as ordens jurídicas dos Estados-membros até 31/07/2027.

Esta constitui a segunda Diretiva “Wastewater”, substituindo a primeira versão, aprovada em 1991, e que já sofrera várias alterações.

A nova Diretiva destaca-se pela introdução de um novo processo de tratamento de águas residuais destinado à redução de micropoluentes tóxicos, presentes nas águas residuais urbanas ou lamas, designado de “tratamento quaternário”.

Como se lê na página do Conselho da União Europeia relativamente à política de tratamento de águas residuais, apesar de se verificar uma melhora da qualidade da água na União Europeia considerável nos últimos 30 anos, o seu nível de poluição continua a ser demasiado elevado. Entre os poluentes mais significativos encontram-se o azoto, o fósforo, as matérias orgânicas e os micropoluentes tóxicos.

De acordo a mesma página, 92% desses micropoluentes, encontrados nas águas residuais, serão provenientes de medicamentos, nomeadamente antibióticos, e de cosméticos.

O referido processo de “tratamento quaternário” deverá ser implementado nas estações de tratamento de águas residuais urbanas com um nível de carga igual ou superior a 150 000 equivalentes de população (i.e., a descarga poluente realizada em média por uma pessoa/ dia), até:  

  • 31 de dezembro de 2033, para 20% das estações;
  • 31 de dezembro de 2039, para 60% das estações;
  • 31 de dezembro de 2045, para todas as estações.

A imputação de responsabilidade ao setor farmacêutico e de cosméticos à luz do princípio da “Responsabilidade Alargada do Produtor”

A nova Diretiva considera os medicamentos e os cosméticos como as principais fontes causadoras da introdução de micropoluentes nas águas residuais.

Nesse sentido, como se retira do seu Considerando (20), ao invés de uma repercussão dos custos do novo processo de tratamento de águas sobre a generalidade dos cidadãos (através de impostos e/ ou aumentos tarifários), o legislador europeu optou por cometer às empresas farmacêuticas e de cosmética a responsabilidade sobre a maior parte dos custos associados à remoção daquelas substâncias.

Tal opção fundamenta-se no princípio da “Responsabilidade Alargada do Produtor”, já consagrado no domínio da gestão de resíduos sólidos, e que constitui, por sua vez, uma decorrência do princípio do “Poluidor-Pagador”. Recorde-se que este último princípio determina que os operadores económicos sejam responsáveis pelos danos ambientais que causarem, assim como pela adoção das devidas medidas de prevenção e de reparação de danos, implicando igualmente o dever de suportar os custos associados.

Em concreto, os produtores de medicamentos e de cosméticos, que colocam os seus produtos no mercado da União Europeia, serão obrigados a suportar:

  • Pelo menos 80% dos custos para a instalação ou expansão e operação de instalações de “tratamento quaternário” de águas residuais para remover micropoluentes das águas residuais urbanas;
  • Os custos relacionados com a monitorização de micropoluentes em águas residuais urbanas, incluindo a recolha e verificação de dados sobre os produtos que colocam no mercado; e
  • Quaisquer outros custos necessários para exercer suas obrigações de “Responsabilidade Alargada do Produtor”, incluindo contribuições financeiras para Organizações de Responsabilidade do Produtor das quais serão membros.

Não obstante, é possível uma isenção ao cumprimento destas obrigações, se se verificar uma das seguintes condições:

  • A quantidade de substâncias contidas nos produtos que colocam no mercado da União Europeia é inferior a uma tonelada por ano; ou
  • As substâncias contidas nos produtos que colocam no mercado da União Europeia são rapidamente biodegradáveis nas águas residuais ou não geram micropoluentes nas águas residuais.

Contestação às medidas da “Responsabilidade Alargada do Produtor”

Nos termos da nova Diretiva “Wastewater”, as empresas abrangidas pela “Responsabilidade Alargada do Produtor” devem cumprir as suas obrigações até 31/12/2028.

Contudo, a adoção da nova Diretiva está a ser objeto de um contencioso nas instâncias europeias, precisamente no que se refere ao sistema de “Responsabilidade Alargada do Produtor” previsto.

A 10/03/2025 a Polónia instaurou, no Tribunal de Justiça da União Europeia, uma ação de anulação das normas relativas à Responsabilidade Alargada do Produtor (Processo n.º C-193/25), invocando (i) a existência de uma violação do princípio do “poluidor-pagador” e do princípio da igualdade de tratamento, por ser atribuída exclusivamente aos produtores de medicamentos e de produtos cosméticos, a responsabilidade pelo tratamento de micropoluentes, ignorando outras categorias de produtos que contribuem para a emissão de tais substâncias; (ii) uma violação do princípio da proporcionalidade, pelo facto de se estabelecerem custos considerados excessivos para os fins a atingir.

Além desta ação do Estado Polaco, outras ações foram instauradas, no Tribunal Geral da União Europeia, pela Federação Europeia das Associações e Indústrias Farmacêuticas (“EPPIA – European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations”) e a Associação Cosmetics Europe, assim como, de novo no Tribunal de Justiça, uma ação de um conjunto de dez outras empresas.

Estas ações invocam igualmente a existência de uma eventual violação do princípio do poluidor-pagador nos termos acima descritos, assim como uma desproporcionalidade dos custos que lhes são imputados, que poderão também repercutir-se negativamente na acessibilidade dos cidadãos a medicamentos.

Perspetivas de evolução e recomendações práticas

A existência de contencioso sobre a nova Diretiva “Wastewater” alimenta um certo grau de incerteza quanto à efetiva concretização de um sistema de “Responsabilidade Alargada do Produtor” que onera os setores farmacêutico e de cosmética nos moldes previstos.

Contudo, antecipando a sua implementação, listamos, desde já, algumas recomendações práticas essenciais para consideração das empresas farmacêuticas e de cosméticos:

  • Monitorização da transposição nacional da nova Diretiva “Wastewater”

Acompanhamento rigoroso do processo de transposição nacional, considerando que os Estados-Membros da União Europeia têm até 31 de julho de 2027 para transpor estas novas regras para a sua legislação. A implementação poderá variar substancialmente entre países, o que exige uma monitorização contínua das obrigações emergentes e dos riscos regulatórios em cada mercado. No contexto nacional, será igualmente relevante acompanhar as orientações que venham a ser emitidas pelas autoridades reguladoras relevantes, como o Infarmed, a APA e a ERSAR.

  • Mapeamento e monitorização de substâncias
  1. Realização de um levantamento inicial detalhado das substâncias presentes nos produtos comercializados, com especial atenção àquelas que possam gerar micropoluentes nas águas residuais;
  2. Implementação de sistemas de monitorização contínua para garantir o cumprimento das obrigações legais e facilitar a recolha de dados exigida pela Diretiva.
  3. Previsão dos respetivos encargos financeiros associados.
  • Avaliação de biogradabilidade e potencial isenção de responsabilidade

Identificação de alternativas rapidamente biodegradáveis ou que não gerem micropoluentes, de modo a poder beneficiar das isenções previstas na Diretiva.

  • Participação em Organizações de Responsabilidade do Produtor

A implementação da nova Diretiva “Wastewater” obrigará ao envolvimento dos produtores dos setores farmacêuticos e de cosmética no sentido de criar organizações para a gestão da responsabilidade que lhes é atribuída, semelhante ao que já sucede no domínio da gestão de resíduos sólidos.

14 de maio de 2025